Alicia Bercovich
IBGE/DPE, Comitê do Censo 2000
1. Introdução
O desenvolvimento do projeto de integração política e econômica entre os países do Mercado Comum do Sul, MERCOSUL, gerou a necessidade de contar com estatísticas comparáveis, produzidas com transparência e confiabilidade para todos os países do Bloco.
Entre as tarefas determinadas para a Comissão de Estatística do Subgrupo de Trabalho 10 do MERCOSUL, estava prevista a implementação de acordos para a homogeneização gradativa das Estatísticas Econômicas e Sócio-Demográficas. Os Institutos de Estatística começaram a difundir informações na forma de quadros agrupados que deram origem às Sinopses I e II do MERCOSUL, publicadas em 1993 e 1995, respectivamente (IBGE, 1993 e INDEC, 1995). Ao produzir estas tabulações e realizar as comparações correspondentes, foi evidente a necessidade de uma compatibilização de definições e conceitos.
Em relação ao Censo Demográfico 2000 no MERCOSUL, foram realizadas várias reuniões com o objetivo de compatibilizar os conceitos e as definições das investigações do próximo milênio. Os contatos relacionados ao próximo censo começaram em abril de 1997, no Primeiro Seminário sobre o Censo 2000 no MERCOSUL, em Buenos Aires, Argentina. Desde então, especialistas dos seis países têm se encontrado periodicamente, e vêem desenvolvendo uma estratégia comum.
Este documento apresenta o estágio atual do projeto, as metas iniciais, as atuais e as conseqüências não antecipadas deste esforço de integração, que se constitui em uma experiência de harmonização das tarefas de planejamento dos próximos Censos Demográficos nos países membros do MERCOSUL "ampliado".
2. O Censo 2000 no MERCOSUL
Como já foi mencionado, várias reuniões de discussão foram realizadas em cada um dos países membros. As discussões abrangeram a experiência dos últimos censos e os planos para o futuro, mas os tópicos essenciais foram aqueles referentes à integração entre os dados produzidos por cada país. O objetivo foi definir um conjunto mínimo de varáveis comuns a ser disseminado simultaneamente, compatibilizar as definições e conceitos, alcançar a homogeneização operacional, garantir a compatibilidade dos sistemas de classificação e codificação, elaborar um plano comum de tabulações, e criar uma base de dados única. Também foram criados grupos de trabalho de Classificações, Capacitação, Aspectos Tecnológicos e Divulgação e Disseminação de Dados.
Como parte das tarefas em curso, foram apresentadas para discussão as experiências atuais em desenvolvimento nos diferentes países para integração da cartografia censitária, captura de dados, procedimentos a serem adotados na crítica e imputação de dados, pesquisa de avaliação e apresentação dos resultados utilizando os recursos do georeferenciamento.
O projeto elaborado procura obter informações homogêneas para a região, otimizar os recursos metodológicos, humanos e tecnológicos de cada país, e potencializar a troca de experiências entre os respectivos Institutos de Estatística.
3. Prova Piloto Conjunta do MERCOSUL
A Prova Piloto Conjunta foi realizada em novembro de 1998, com a participação da Argentina Bolívia e Brasil, em duas áreas de fronteira entre esses países.
Os objetivos da Prova Piloto Conjunta foram entre outros:
- Testar os conteúdos comuns dos questionários de cada país. Se colocou especial ênfase na aplicação de perguntas que permitissem detectar o movimento pendular entre as áreas geográficas limítrofes.
- Testar as metodologias de capacitação.
- Testar metodologias de processamento e codificação assistida com relação às nomenclaturas utilizadas.
- Testar o desenho de Base de Dados comum e produção de tabulações mínimas.
O cumprimento das metas 1 e 2 foi avaliado mediante uma metodologia de observação não-participativa. O monitoramento da prova foi realizado por equipes de campo dos países participantes da prova e representantes de outros países do MERCOSUL.
Os resultados obtidos mediante essa experiência foram extremamente interessantes. A experiência mostrou o que Willeboordse (1997) denomina de "oitava questão": freqüentemente os mesmos conceitos, definições e classificações usadas são interpretadas no campo de uma maneira diferente de país para país.
Solicitou-se aos observadores para incluir nos informes as situações em que diferentes interpretações pelos países levaram a diferenças substanciais nos conceitos. A análise dessas divergências sugeriu incorporar especificações mais detalhadas das definições nos Manuais de Instrução.
Os resultados da Prova Piloto foram além das expectativas. Os habitantes das regiões incluídas na prova colaboraram com entusiasmo e as atividades censitárias tiveram repercussão nos meios de comunicação com a magnitude de um ato de integração de grande importância política.
Os informes dos observadores não discutiram apenas os conceitos e definições que na prática dos países são operacionalizados de modo diferente, mas problemas de organização do questionário que para alguém alheio à prática do país, aparecem com mais clareza. Certos "estilos" de abordagem e formas de perguntar, típicos de cada país, mostraram-se, para os observadores, mais naturais e lógicos que os aplicados tradicionalmente no próprio país de origem. Neste sentido, a Prova Piloto conjunta também resultou numa experiência mais rica e produtiva que a originalmente planejada.
4. Problemas na Harmonização dos Dados
A possibilidade de atingir uma real harmonização entre dados estatísticos de diferentes países constitui um tema controvertido. Ao longo do processo de trabalho foram surgindo as dificuldades de harmonização a enfrentar. Neste sentido, Poulain (1997) formulou sete questões relativas a comparabilidade dos dados produzidos por diferentes países. Temos aplicado as questões no caso dos Censos do Mercosul.
As duas primeiras questões são as básicas: se trata-se do mesmo tipo de fonte e se as perguntas são as mesmas. A terceira questão, refere-se à homogeneidade das definições e dos conceitos adotados, aplicados à mesma população alvo, e em relação a mesma população a ser efetivamente entrevistada a partir dessas definições e conceitos. Os países membros vêm realizando esforços para produzir os dados numa forma homogênea, compatibilizando definições e conceitos.
A quarta e a quinta questão são difíceis de avaliar neste estágio do projeto. Se referem à possibilidade de sub-enumeração sistemática ou confiabilidade de algumas das respostas, diferenciais segundo o país. Estamos cientes dos riscos inerentes e tentamos avaliar sua magnitude. Em relação à sexta indagação, o projeto objetiva harmonizar as metodologias de apuração para minimizar o risco de introduzir discrepâncias causadas pelo tratamento não uniforme de processamento, crítica e codificação. Uma das metas do projeto é avaliar as possíveis diferenças que se introduzem na fase de processamento. A sétima questão, sobre a possibilidade de compatibilização dos dados já divulgados, não se aplica no estagio atual do projeto, exceto para aqueles países que não vão fazer o levantamento em 2000 ou data próxima. Esses países formularão hipóteses e projeções a partir do último censo realizado para fornecer dados comparáveis.
Willeboordse (1997) sugeriu acrescentar outra questão: se a interpretação dada aos conceitos é a mesma em todos os países. Nesse sentido, a experiência da Prova Piloto Conjunta do MERCOSUL foi fundamental para compreender este fenômeno: em vários casos, apesar das perguntas serem as mesmas e as definições equivalentes, a aplicação prática de alguns conceitos foi diferente, conforme relato dos observadores.
Estes são os problemas mais freqüentes na harmonização dos dados, que afetam a comparabilidade das estatísticas entre países. Sem dúvida a comparabilidade total é uma meta impossível de alcançar, mas o esforço tem sido no sentido de conseguir cada vez estatísticas com maior grau de comparabilidade.
5. Conclusão
Este é o informe do Projeto do Censo Comum do MERCOSUL. Comparado com o de outros países que vêm trabalhando neste tema há mais tempo, estamos no estágio inicial do processo de compatibilizar e harmonizar as Estatísticas. O trabalho desenvolvido já tem dado importantes resultados e permitido alcançar progressos substanciais não antecipados em temas problemáticos. A integração e o intercâmbio de experiências das equipes, o avanço mais rápido na solução da problemática comum, a socialização dos avanços tecnológicos, a cooperação horizontal, o estabelecimento do respeito mútuo entre as agências oficiais e colaboradoras, a capacidade de beneficiar-se das experiências dos outros países já constituem valiosos avanços no caminho da integração. Isto é verdadeiro, ainda quando, como Poulain observa, "o consenso sobre as definições e conceitos básicos entre países pertence ao reino do irrealizável".
De acordo com Poulain (1977), "o nível de comparabilidade que se necessita deve levar em consideração o fato de que se incluem uma quantidade de compromissos, hipóteses e estimativas, provavelmente se perderá uma grande parte da significância da informação estatística". Sem dúvida, a Prova Piloto Conjunta provou, até para os mais pessimistas, que existem mais semelhanças entre as populações fronteiriças que as evidenciadas pelas estatísticas nacionais. Mais ainda, este esforço de integração oferecerá como subproduto a harmonização interna, já que existe uma crescente conscientização dos Institutos de Estatística acerca da importância de padronizar conceitos, definições, classificações e outros procedimentos.
Deve-se destacar o fato de que esta ação conjunta dos países do MERCOSUL tem um caráter pioneiro na América Latina. Não é apenas um intercâmbio sobre temas específicos, como foi feito muitas outras vezes: é um empreendimento conjunto que testa e potencializa a experiência acumulada em cada um dos países membros.
Os Censos do ano 2000 no MERCOSUL manterão as particularidades de cada país. As equipes acreditam que a padronização de definições e procedimentos oferecerá uma base para aclarar e analisar as diferenças existentes. No lugar de uma acumulação de tabulações independentes, existirá um conjunto de dados "harmonizados" na sua produção.
Alguns países iniciarão este processo em 2000 e outros nos anos seguintes. O Censo do Ano 2000 para os países do MERCOSUL é parte de um sistema integrado de informações que inclui as estatísticas vitais e as pesquisas domiciliares. A criação de um sistema integrado de estatísticas sociais e econômicas para o MERCOSUL é uma meta que atualmente se vislumbra com maior claridade que nunca.
Bibliografia
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Poulain, M. (1997). L’Harmonisation des concepts et des definitions comme etape indispensable de l’integration des statistiques. Bulletin of the International Statistical Institute. Proceedings of the 51st Session. Book 1. 315-318. Istambul.
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